10/01/12

o regime jurídico da cópia privada


No dia 17 de Dezembro de 2011, foi publicado no Diário da República o Projecto de Lei 118/XII, que aprova o regime jurídico da cópia privada e faz alterações ao Código do Direito de Autor. Entrará em vigor quando se cumprirem trinta dias desde a data de publicação. Sem querer fingir que sou fluente em juridiquês, há coisas que me apetece dizer. São estas:

- Os cidadãos passam a pagar uma taxa acrescida a equipamentos capazes de reproduzir obras protegidas como compensação pela cópia privada das mesmas. Quer a façam ou não. Compreendo a injustiça de usufruir de uma obra sem que o autor seja compensado. Não compreendo a justiça de forçar um estudante que compra uma pen USB para guardar e transportar os seus trabalhos escolares e que nunca pirateou nada na vida (de certeza que haverá alguém nestas condições... não?) a pagar por um acto que não cometeu nem pretende cometer.

- Ao legislar desta forma, o Estado arruma inteligentemente a questão da cópia privada. Ou, pelo menos, será essa a convicção dos legisladores. Talvez se enganem. Se o cidadão paga uma compensação pela possibilidade de usar um equipamento de cópia, é-lhe reconhecido o direito de a efectuar. E, se a cópia é privada, tem o direito de fazer com ela o que bem entenda, desde que não saia dessa esfera privada. Ou seja, poderá oferecer a cópia a um amigo. Pessoalmente, enviando-lha pelo correio ou por transferência digital. Sem ter de voltar a ouvir ameaças e queixas de editoras e distribuidoras. Todos sabemos que isso não acontecerá.

- Depois há as bizarrias na lista dos equipamentos específicos a taxar. Na tabela onde consta a "compensação sobre aparelhos, equipamentos e instrumentos técnicos de reprodução de obras escritas", diz-se isto: "equipamentos multifunções de secretária, de impressão, com ecrã de reprodução, com capacidade para realizar pelo menos duas das seguintes funções: cópia, impressão, fax ou digitalização." Portanto, um scanner sem funções adicionais ficará isento de qualquer compensação. Quem fotocopiar um livro ou o digitalizar para impressão imediata, terá de pagar por isso, mas quem o digitalizar para impressão posterior numa impressora simples ou para o converter em pdf ou ebook não. 

Já os discos rígidos e as memórias não são taxados de forma unitária mas por cada gigabyte de capacidade. Por exemplo, um disco rígido com capacidade de 1 terabyte terá um acréscimo de 20€ ao preço de venda (2 cêntimos por cada giga). Diz-se no preâmbulo que a lei se faz porque tinham passado seis anos desde a lei anterior sobre esta matéria, considerando-se fundamental uma revisão. Pensando na velocidade com que evolui a capacidade de memória destes dispositivos, ou os esclarecidos legisladores pretendem rever o diploma e ajustar os valores de dois em dois anos ou chegaremos a um ponto em que os cartões de memória trarão apartamentos e automóveis como brinde.

- O artigo 5º do projecto de lei diz o seguinte: "A compensação equitativa de autores, e de artistas, intérpretes ou executantes, é inalienável e irrenunciável, sendo nula qualquer cláusula contratual em contrário." Ou seja, impedem-se os contratos abusivos que procurem anular esse direito de compensação e, ao mesmo tempo, nega-se ao autor o direito de distribuir gratuitamente uma obra sua sem ser compensado.

- Por fim, convém não esquecer um pormenor importante. O prejuízo para os autores da distribuição gratuita de obras protegidas é insignificante ou mesmo inexistente. Basta de apresentar medidas deste tipo como esforços para proteger os autores. O que se faz é sucumbir às pressões de quem lucra verdadeiramente: as editoras e distribuidoras (frequentemente grandes empresas multinacionais que colocam o lucro acima de preocupações com a qualidade e que asfixiam tentativas de edição e distribuição independente). E uma eventual redução mínima nas receitas não será a catástrofe cultural que nos tentam impingir. Significará apenas que um punhado de executivos multimilionários terá reduções tão ínfimas nas suas contas bancárias astronómicas que nem sequer darão por elas.

O disco não destruiu a música, a televisão não destruiu o cinema, a fotocópia não destruiu o livro, a cassete  áudio não destruiu a rádio e o VHS não destruiu a televisão. Os computadores e a internet também não o farão. A forma como consumimos cultura alterou-se de forma definitiva. Quem não souber adaptar-se, merece ficar para trás. 

2 comentários:

  1. Então podem-se fazer cópias pirata! Se estou a pagar por elas...
    Estou muito mais descansado!
    Calculo que essa taxa que pagamos seja igualmente dividida por todos os autores portugueses, certo? Para os compensar...

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  2. Parece que é essa a teoria. Duvido muito que seja também a prática.

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