21/10/12

As Aventuras da Deusa Interior


"Fifty Shades of Grey" é pornografia segura para donas de casa e adolescentes, adquirível sem olhares de reprovação e consumida em público sem causar escândalo. Não é mais que isto e é provável que, com a sua natureza de "fan fiction", a autora nunca tenha pretendido ir mais além. O resto foi um acidente. Nada aqui será particularmente censurável. Mas é uma leitura aborrecida, cheia de chavões, sem qualquer coisa que se assemelhe a um enredo (a sucessão de cenas sadomasoquistas ou os momentos "ele é tão lindo!" não contam) e inacreditavelmente repetitiva. Talvez a repetição fosse inevitável num livro que não se esforça nada para ser mais do que um auxiliar masturbatório, mas permite exercícios interessantes. Como este:

Fifty Shades of Inner Goddess

uma construção narrativa em excertos diligentemente recolhidos

And my very small inner goddess sways in a gentle victorious samba. My inner goddess glares at me, tapping her small foot impatiently. Ha! My inner goddess is thrilled. My inner goddess is doing the merengue with some salsa moves. My inner goddess has stopped dancing and is staring too, mouth open and drooling slightly. My inner goddess is thrilled. My inner goddess sits in the lotus position looking serene except for the sly, self-congratulatory smile on her face. My inner goddess nods in silent zen-like agreement with her. My inner goddess is jumping up and down, clapping her hands like a five-year-old. Please, let’s do this… My inner goddess stops jumping and smiles serenely. My inner goddess shakes her head at me. My inner goddess glows so bright she could light up Portland. My inner goddess does too. My inner goddess frowns at me. My inner goddess jumps up and down with cheerleading pom-poms shouting yes at me. My inner goddess is not pleased. My inner goddess is doing back flips in a routine worthy of a Russian Olympic gymnast. I flush, and my inner goddess smacks her lips together glowing with pride. I examine the list, and my inner goddess bounces up and down like a small child waiting for ice cream. I squirm. My inner goddess is panting. Oh the possibilities… my inner goddess roars, and from somewhere born of frustration, need, and sheer Steele bravery, I push him on to the bed. My inner goddess is going to explode. My inner goddess looks like someone snatched her ice cream. My inner goddess has woken and is paying attention. My inner goddess pleads with me, my subconscious is as paralyzed as I am. My inner goddess is prostrate… well at least she’s quiet. Bewitched… my inner goddess is staring open-mouthed. Even she doesn’t believe this. Well, it’s been swept under the rug that my inner goddess is lying on, eating grapes and tapping her fingers, waiting not so patiently for Sunday. My inner goddess is beside herself, hopping from foot to foot. Go girl! My inner goddess has her pom poms in hand - she’s in cheerleading mode. My inner goddess is spinning like a world-class ballerina, pirouette after pirouette. My inner goddess has a ‘do not disturb’ sign on the outside of her room. My inner goddess grins at me. My inner goddess sighs with relief. Fortunately, he seems oblivious to her, but my inner goddess is smoldering and not in a good way. My inner goddess nods in agreement, a satisfied grin over her face – You didn’t haveto ask for them. My inner goddess pops her head above the parapet. My inner goddess pouts at me, failing miserably to hide her disappointment. My inner goddess is doing the dance of the seven veils. My inner goddess glares at me in desperation. No my inner goddess scowls at me, not too beautiful for me. He is sort of mine, for now. She hasn’t got a clue, and my inner goddess is still basking in a remnant of post-coital glow. No – we’re all clueless. My inner goddess leaps up cheering from her chaise longue. My inner goddess gazes at him in quiet, surprised speculation. Truth or dare time – my subconscious and inner goddess glance nervously at one another. “Yes.” My inner goddess pole-vaults over the fifteen-foot bar. My inner goddess is standing on the podium awaiting her gold medal. My inner goddess has back flipped off the podium and is doing cartwheels around the stadium. My inner goddess – she’s under a blanket behind the sofa. Jeez, my inner goddess swoons. Am I up to this game? My inner goddess is hopeful for one type of mood, my subconscious, like me, is fraught with nerves. From tension to relief to something else: a look that calls directly to my inner goddess, a look of sensual carnality, gray eyes blazing. She’s there somewhere, hiding behind my inner goddess. My subconscious is frantically fanning herself, and my inner goddess is swaying and writhing to some primal carnal rhythm. I whisper as my pulse starts to accelerate, and my inner goddess closes her eyes, reveling in the feel of his lips on me. My subconscious has passed out, and my inner goddess is endeavoring to look brave. My subconscious is shaking her head sadly, and my inner goddess is nowhere to be seen. Deep down, a nasty, unbidden thought comes from my inner goddess, her lip curled in a snarl… 

16/10/12

Ler ao quilo

Não é aconselhável julgar um livro pela capa ou um leitor pelo número de livros que lê. Há leitores (e são cada vez mais) que leem "ao quilo". São facilmente identificáveis pelas pilhas de livros em espera que normalmente têm ao lado da cama, do sofá ou noutra localização estratégica. E nem é preciso visitá-los para saber que as pilhas existem porque se orgulham delas e as divulgam sem grande constrangimento. 

São pessoas que ocupam uma boa parte do seu tempo livre com a leitura. Quando não estão a ler, estão a comprar livros compulsivamente, a tentar resistir à força que os puxa para dentro de uma livraria aberta ou a falar sobre a pilha de livros que não para de crescer, sobre os novos acréscimos que a farão tocar o teto ou sobre o problema que reconhecem não conseguir enfrentar. Alguns participam em competições promovidas por sites da especialidade (LEIA 300 LIVROS NUMA HORA OU SEJA UM OVO PODRE ANALFABETO!), outros preferem não impor regras ao vício. 

Gostam de livros com muitas páginas porque aumentam o desafio. De preferência com capa dura porque são mais pesados e mais facilmente permitem que se vejam como cristos dos tempos modernos, arrastando tijolos de papel por autocarros e metropolitanos como quem arrasta cruzes para o calvário. Gostam de coisas claras, sem tiques e que se enquadrem sem vergonha num género. E sabem muito bem o que querem de cada género. Do sobrenatural, da ficção científica, do romance histórico, do folhetim erótico. Descrições que permitam conhecer as personagens da cor do cabelo ao número que calçam, passando pelo que costumam comer ao pequeno-almoço (torradas com manteiga, coelho à gaulesa ou sangue de virgem) e pelo que fazem quando não estão ocupadas a animar capítulos (ler filosofia, ouvir jazz das onze da manhã às duas da tarde em dias ímpares, cozinhar, planear a destruição de Cartago, escravizar um planeta vizinho habitado por pachorrentas criaturas azuis ou perseguir virgens para lhes extrair o sangue para o pequeno-almoço). Enredos principais e secundários com início, meio e fim. Nada de portas deixadas abertas ou fios sem nó. Se um livro for um hambúrguer, estes elementos serão a rodela de tomate, o pickle, o pingo de mostarda ou a semente de sésamo sobre o pão. Mínimos na sua importância individual, mas essenciais para o resultado final.

Quando o ano chega ao fim, fazem um balanço e publicam listas de livros lidos, podendo mesmo atribuir classificações às dezenas de cada mês ou ordená-las por ordem de recomendabilidade. Não é fácil de fazer e exige esforço muitas vezes desmedido. Afinal, um fumador também perde a conta aos cigarros fumados e um cocainómano não se dá ao trabalho de somar o comprimento das linhas que lhe entraram pelas narinas. Porque quem lê ao quilo é um viciado como outro qualquer. A haver diferença, talvez esteja no facto de não transformarem quem se senta ao lado em "leitor passivo". Mas também estouram orçamentos e, muitas vezes, correm o risco de precisar de arrumar carros para pagar a conta da Fnac, da Amazon e do Book Depository. E as horas passadas a ler podem prejudicar seriamente os olhos, fazendo-os cair ao chão e rebolar para baixo de um móvel, onde passarão anos até serem encontrados cobertos de cotão.